Jantar No Escuro: comer de olhos fechados e coração aberto

Jantar No Escuro: comer de olhos fechados e coração aberto

Confesso que sou meio cética em relação a “experiências gastronômicas”, em geral considero que agregam pouco, não me fazem pensar diferente e cobram muito pelo que oferecem. Mas quando eu vi a proposta do Jantar No Escuro meio que acendeu uma luzinha (olha o trocadilho, haha). Eu adoooro fazer coisas que eu nunca fiz antes, por pequena que sejam.

Eu nunca tinha comido sem enxergar, pelo contrário, sou daquelas que se incomoda com a iluminação intimista dos jantarzinhos românticos porque eu gosto de ver o que eu estou comendo. É tão corriqueiro comer enxergando que eu estava certa que fazê-lo de maneira diferente ia me trazer vários insights.

E foi exatamente isso que aconteceu.

Nos jantares promovidos pelo Ateliê No Escuro último momento que a gente vê alguma coisa é no coquetel de entrada – onde fui recebida com bruschettas e cerveja artesanal orgânica. Depois, somos vendados e começa a aventura. Fazemos uma fila indiana, com as mãos nos ombros da pessoa a nossa frente, entramos na sala de jantar e esperamos que nos indiquem onde sentar. Minha primeira impressão foi que quando estamos “cegos” ficamos todos muito obedientes, talvez por que nos sintamos vulneráveis. Estávamos todos bem quietinhos esperando que nos sentássemos. Ninguém ousou beber dos copos de estavam postos até que um dos anfitriões nos falou “podem provar o que tiver na mesa diante de vocês”.

fila de pessoas de olhos vendados no jantar no escuro

Filinha para entrar no jantar. Crédito: Rodrigo Schmidt

A comida é apenas um dos elementos do Jantar No Escuro. Logo que entramos na sala, sons de batidas de coração e respiração enchiam o ambiente. Entre um prato e outro diferentes cheiros e sons passam diante e atrás de cada comensal. É feito massagem nos ombros, cabeça e rosto (delícia!) em diversos momentos do jantar. Além disso, todo o processo é acompanhado por música instrumental ao vivo.

quatro musicos tocando violao, flauta e tambor no jantar no escuro

Música ao vivo no Jantar No Escuro. Crédito: Luciana Azevedo

A segunda ficha que caiu foi a de quebrar regras de etiqueta. Fui tateando mesa para “ver” o que estava posto: um jogo americano, uma taça (que depois eu descobri que tinha espumante) e um copo, mas nada de talheres. A proposta é experimentar a comida de uma outra maneira e tocá-la é parte disso. Ainda antes de entrar na sala de jantar, Gabriela e Maria, duas das sócias do Ateliê tinham nos dado “conselhos” de não ter vergonha de sujar as mãos, lamber os dedos. “Sejam criança novamente, mergulhem na comida, aproveitem”, nos disseram. Fomos “adestrados” desde pequenos a comer educadamente. “Não chupe os dedos, não brinque com a comida, não apoie o cotovelo na mesa” quem nunca ouviu essas coisas? Nunca fui uma lady (quem me conhece, sabe, hahaha) mas rolou uma resistência a ser “mal-educada”. Eu não vi meus vizinhos de mesa, mas pelos risinhos nervosos eu suponho que estavam passando por algo parecido. Aí a gente vai se libertando dessas regras (que a gente internalizou e nem sentiu) e ficando confortável em amassar a comida com a mão, cheirá-la de perto, chupar os dedos. Me senti muito bem quando na sobremesa eu lambi o prato.

Celulares são proibidos durante o Jantar No Escuro. Além do impedimento óbvio que é a venda nos olhos, a ideia é criar a máxima conexão possível com a comida e os outros estímulos sensoriais. Eu nem lembro qual tinha sido a última vez que eu passei toda uma refeição sem fotografar ou checar o whatsapp – e voltar à vida offline foi uma delícia. Quando o jantar acaba e podemos tirar as vendas, nos perguntaram como poderíamos resumir o que tínhamos acabado de viver. Eu imediatamente disse “eu me senti feliz”. E realmente, se houve algum sentimento que perpassou toda a experiência, mais que a curiosidade, o estranhamento e a liberdade, foi o de me sentir feliz. Eu senti que tinha todo o tempo do mundo para mim e estar de coração aberto sentindo  cada gosto, cada som, cada toque, sem nenhuma distacao e sem me preocupar com nada além de aproveitar as sensacoes, foi um encontro comigo mesma.

Foi um jantar que eu fui sozinha e poucas vezes me senti tão acompanhada.

pessoas sentadas a mesa e vendadas no jantar no escuro

Durante o jantar. Crédito: Luciana Azevedo.

Como participar

Nos jantares promovidos pelo Ateliê No Escuro, o menu muda a cada evento, são temáticos e surpresa – só se conhece o cardápio no momento em que os pratos são postos na nossa frente. Os jantares são itinerantes e feitos em parceria com distintos restaurantes. A edição que eu fui aconteceu no Easy Organics, em São Paulo. Com o tema “comida para o corpo e a alma” o cardápio foi desenvolvido especialmente para o Jantar No Escuro e oferecia exclusivamente alimentos orgânicos. O calendário dos próximos eventos pode ser consultado no site do Ateliê No Escuro.

Foto de capa. Crédito: Luciana Azevedo.

 

2 Comments
  • RUTH LIMA
    Posted at 14:39h, 30 novembro Responder

    ” Me senti muito bem quando na sobremesa eu lambi o prato”…acredito! Hahaha

    • Mila Pereira
      Posted at 19:11h, 05 fevereiro Responder

      Embora você sempre tivesse me dito que fazer isso era feio hahahahaha

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