Quando a saudade de casa atropela a viagem

Quando a saudade de casa atropela a viagem

“Eu, que gosto tanto de viajar, quero voltar pra casa”. Essa foi uma das inúmeras frases com que eu inundei o whatsapp do Max naquela sexta-feira de junho. Precisava conversar.

Estava a pouco mais duas semanas do fim da minha viagem mais legal dos últimos tempos – três meses na Europa, fazendo couchsurfing, passando por vários países, aprendendo um idioma novo (o francês), trabalhando em fazendas orgânicas, vivendo um monte de coisas novas e super interessantes. E tudo que eu queria era voltar para casa.

encosta com casinhas coloridas na beira do mar - saudade de casa

A viagem começou em abril na Itália

A viagem tinha começado em abril, na Itália, e agora em junho eu estava trabalhando e morando em fazendas orgânicas no sul da França. Todo aquele intercâmbio cultural e a vida comunitária que tanto tinham me parecido interessante no início da viagem – e por grande parte dela – me pareciam um peso. Eu não achava mais graça em interagir com as pessoas. Cozinhar e comer todo mundo junto, então… Eu sentia saudade de comer uma comida que eu conheço e cozinhar na hora que me desse vontade. Queria voltar para casa.

Além disso, em alguns dias eu deixaria o trabalho na França para um período particulamente divertido da viagem: duas semanas de “férias” em Barcelona, Bilbao e San Sebastián. Em alguns momentos eu ficava empolgada. Voltar a Barcelona sempre foi um sonho de consumo na minha vida. Nesses dez anos que eu passei sem visitar a Europa depois de morar por lá, toda vez que eu ouvia “Barcelona” (trilha sonora do Vicky Cristina Barcelona, do Woody Allen) era acometida por uma vontade de viajar e/ou morar naquela cidade.

Mas nesse momento eu não tinha a menor vontade de viajar para Barcelona, preferia estar na minha casa, dormir na minha cama, estar entre os meus . Gaudí que me perdoe, mas eu trocaria a Sagrada Família por trabalhar desde o meu sofá. Quero voltar para casa.   

E a cada coisa que dava errado eu queria “pegar o primeiro avião com destino à felicidade e a felicidade para mim é você voltar pra casa”. E quando você está fora do seu “ninho” a probabilidade de coisas simples darem errado aumenta. Imagina enfrentar um SAC de operadora de celular. Agora imagina em um idioma que você não domina bem – e por telefone. Agora imagina que para você acessar o SAC tem que digitar o seu número de identidade (tipo um CPF) local, que obviamente você não tem. Ou então você tecla zero e espera para explicar isso pra moça. Em francês. Pois é. 

janela de uma casa com um gato dormindo - saudade de casa

Casa e um gatinho <3

E entre uma crise de “será que dá para mudar a passagem?” e outra eu ficava me perguntando porque eu, que me julgava tão adaptável  e “cidadã do mundo” estava com essa crise de “mochileiro de primeira viagem”. E esperando longamente enquanto eu ouvia a musiquinha de espera do SAC eu me toquei que uma das coisas que mais me estimula a viajar é sair da zona de conforto.

É passar esses perrengues mesmo. Entrar em uma rotina que você não está acostumado, cair de paraquedas na casa de um pessoal que tem valores diferentes dos seus, tentar se comunicar mesmo com a barreira do idioma. E essa viagem teve muito disso. Eu dormi na casa “de estranhos” fazendo couchsurfing e a cada três ou quatro dias eu estava em uma casa nova. Morei por dois meses em fazendas orgânicas na França, convivendo com pessoas com um background cultural bem distinto do meu, trabalhando com coisas que foi da construção de chalets de madeira a tirar leite de cabra, morando de uma maneira mais simples e com bem menos conforto do que a cidade me acostumou. Tudo isso em um outro idioma. 

Nessa viagem eu saí bastante da minha zona de conforto. Só que sair dela traz justamente… um desconforto. E demanda uma energia para se adaptar ao novo. A gente faz um esforço pra se adaptar a essa nova realidade, para se adaptar a uma rotina diferente da sua, para tentar entender o idioma alheio. A gente faz esforço para tentar entender os valores daquele pessoal que é tão diferente de você mas que de um dia para o outro viraram sua “família”, seus colegas de trabalho, seus amigos pós-expediente (no wwoofing é assim). Trabalhar com coisas muito fora do habitual (vai uma cabra aí pra ordenhar?) também demanda uma energia pelo aprendizado.   

Quando você decide viver uma parte da sua vida em um ambiente novo, isso significa que vai fazer as coisas de sempre (viver, trabalhar e se relacionar com qualquer pessoa) só que lidando continuamente com esse estranhamento que o novo traz. E o novo cansa e se adaptar cansa.

Após nove semanas gastando meu jogo de cintura e me maravilhando com o diferente eu comecei a sentir falta de ter familiaridade com as coisas me parecesse familiar. Eu queria estar novamente em um ambiente que não fosse novo: a minha casa, minha rotina, a comida que eu estava acostumada. Eu queria voltar pra minha zona de conforto. 

Fim de tarde em Santiago

Moral da história:

Sair da minha zona de conforto continua sendo o que me estimula a fazer coisas: ter esse baque do diferente, me defrontar com coisas que não são da maneira que eu estou acostumada. Mas também (e isso eu não sabia) tem horas que me enche o saco.

Depois de levar uns cinco “nãos” procurando anfitriões no couchsurfing em Barcelona eu cheguei à conclusão que eu não estou com energia para planejar uma viagem. De última hora, comprei uma passagem de ônibus e fui parar em Leiden, uma cidade do lado de Amsterdam, onde eu tenho amigos. E onde eu vou ter um sofá para trabalhar, nenhuma obrigação de turistar e o ambiente mais familiar que eu posso ter por enquanto.  

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