
15 jul Travessia Petrópolis-Teresópolis: guia para trilheirxs inexperientes
Voltei para a casa depois dos três dias da Travessia Petrópolis-Teresópolis com vários roxos nas pernas, uma dor muscular que não passava nunca e aquela sensação de que eu deveria ter ficado em casa vendo Netflix.
Mas como foi que você se meteu nessa?
Olha, quando um amigo do coração me apresenta uma proposta de viagem enquanto a gente toma um vinho, dificilmente eu consigo dizer não. E foi nesse contexto que o Tiago (que nunca tinha feito a trilha mas se saiu super bem) contou que ele e Raul (um amigo dele já experiente nos trekkings) iam fazer a travessia. Pesquisei na internet e pareceu segura (e é mesmo), bem sinalizada (é também). E foi aí que eu, com uma pouca experiência em trilha e certo preparo físico pero no mucho, topei.

Eu (a não-sobrevivente), o Tiago (o trilheiro inexperiente que se virou) e o Raul (o único que sabia o que tava fazendo)
Ah, então a travessia é uma furada e ninguém deve ir, certo?
Errado. Mas vamos por partes.
A Travessia Petrópolis-Teresópolis (Petro-Terê, para os íntimos) é feita no Parque Nacional da Serra dos Órgãos, no estado do Rio de Janeiro. São 30km que fizemos em três dias de caminhada, dormindo nos abrigos do parque. O visual dispensa comentários, a estrutura de abrigos é bacana e passar alguns dias só você, a natureza e os amigos é daquelas experiências que renova o espírito. Não precisa ser expert em trekkings pra encarar a Petro-Terê, nem ser atleta, mas fazer trilhas com uma certa regularidade ajuda bastante (tem uns trechos meio técnicos) e ter o hábito de se exercitar também.

Olha pra essa vista e me diz que esse é um lugar que não deve ser visitado. Impossível.
Lições que eu aprendi com a Travessia Petrópolis-Teresópolis:
- Não pegue uma travessia puxada se você estiver há um ano sem trilhar
- Não invente uma trilha de três dias se você andou faltando bastante a academia ultimamente
Sacaram porque deu ruim pra mim? Então tá bom. É só não fazer como eu que vai dar super certo.
Como é fazer a travessia Petrópolis-Teresópolis
Primeiro dia: Petrópolis – Castelo do Açu
Saímos de carro do Rio de Janeiro cedinho, apresentamos a documentação e o comprovante de compra na entrada do parque nacional começamos a trilha às 9h. São sete quilômetros SÓ DE SUBIDA. A gente sobe 1.100 metros. Não tem nenhum trecho plano, você só para de subir quando faz aquela pausinha pra descansar. É um dia bem cansativo mas é tecnicamente fácil, não precisa ter experiência em trilhas para se virar bem.

Vista do primeiro abrigo, no Castelo do Açu.
O abrigo do Castelo do Açu é simples mas tem todos os utensílios de cozinha para fazer seu jantar. Mas não esqueça de levar todo o alimento que você vai precisar, lá não vende nada. O abrigo e o banho quente são pagos e têm que ser reservados antecipadamente pelo site.
Se você vai dormir no bivaque ou no camping, é bom levar um saco de dormir quentinho – de noite a temperatura cai bastante, mesmo no verão. Pra mim foi tranquilo porque eu levei um saco de dormir e um isolante térmico que aguenta temperaturas menores do que a gente encontrou lá. O Tiago e o Raul sofreram um pouco porque estavam com um equipamento mais leve.
Segundo dia
É aqui que a trilha mostra pra que veio. O trecho Castelo do Açu – Pedra do Sino é o mais exigente. São subidas fortes, trechos íngremes de descida na rocha e algumas escalaminhadas (algo entre a caminhada e a escalada). Foi o Raul que salvou a nossa pele – nesse trecho é essencial estar em companhia de alguém que conheça o trajeto ou um guia profissional.
Os pontos mais críticos da travessia são o elevador e o cavalinho. O elevador é uma escada de 50m (equivalente a um prédio 16 andares) feita com grampos de ferro pregados na rocha. Seria mais sossegado se não tivesse uns vergalhões faltando, aí a gente tem que se esticar e se apoiar na pedra nua pra alcançar o próximo ferro.
O cavalinho no vídeo pareceu tranquilo pra mim, mas na prática foi bem tenso. A gente chegou lá já era noite, tivemos que subir no escuro. Pra completar, vocês repararam que no vídeo o pessoal usa uma uma corda pra subir as mochilas e se apoiar? Pois é, perdemos a nossa em algum ponto da trilha e tivemos que subir sem ela. A vantagem da trilha é que não dá pra desistir, porque se eu pudesse, eu teria voltado pra casa. Mas com a ajuda do Tiago e do Raul eu subi chorando, mas subi.
O caminho da travessia é marcado com setas de ferro e totens de pedra. Em geral a trilha é bem sinalizada, mas no segundo dia é um pouco menos. O Chapadão (uma laje rochosa que a gente desce) foi o único trecho em que a gente se perdeu – mas se encontrou rápido graças ao GPS.

Tem vários totens de pedra pelo caminho

A gente perdido no Chapadão
Esse é dia mais bonito da trilha. São cinco vales para atravessar, a paisagem muda na subida e na descida de cada um e são invariavelmente maravilhosas.

Uma das vistas incríveis do segundo dia

Foto: Raul
Terceiro dia
Aqui não tem segredo, é só descida. São umas cinco horas de trilha, tem muita lama mas nenhuma ribanceira perigosa e o caminho é bem sinalizado. Só alegria.
A companheira do Raul, que tinha deixado a gente na entrada do parque nacional em Petrópolis no primeiro dia, foi buscar a gente no acesso de Teresópolis no fim da travessia. Se você não tiver a sorte de ter um amigx ou companheirx maravilhoso assim, veja as dicas em Como chegar.
Quando ir
O inverno é a melhor época para fazer a travessia e de maio até setembro é uma boa época. De outubro a abril há risco de tempestades. A gente foi em julho e mesmo sem cair uma gota de chuva durante os três dias a trilha já tinha bastante lama e vários trechos de pedras escorregadias. Acredite em mim, você não vai querer fazer a trilha debaixo de chuva.
Preparação
Antes de mais nada, compre seu ingresso pelo site www.parnaso.tur.br/ingresso. Sem ele você não entra no parque nacional. Procure comprar com antecedência porque só é permitido o ingresso de 100 pessoas por dia. Imprima o recibo de pagamento e leve junto com o documento de identidade para apresentar na entrada
Na compra do ingresso você também escolhe o alojamento: camping, bivaque ou beliche. Quem opta pelo camping não tem direito a usar a cozinha do abrigo e tem que levar fogareiro, gás butano ou propano, panelas e talheres, esponja e sabão em pedra. Não é permitido acampar fora da área dos abrigos.
Quanto custa
O meu “pacote” saiu R$ 126,20 com uma noite de bivaque, uma noite de beliche, dois banhos e a taxa de entrada no parque.
Taxa de entrada: varia em função da data – se é dia útil, fim de semana ou feriado
Uma noite no camping: R$ 10
Uma noite no bivaque: R$ 25
Uma noite no beliche: R$ 40
Banho (cinco minutos, com água quente): R$ 15
Como chegar
De carro, é uma boa deixar estacionado dentro do parque nacional em Teresópolis – o fim da travessia – e pegar um ônibus até a entrada de Petrópolis. O estacionamento custa R$ 10 por dia. Na entrada de Petrópolis não tem estacionamento.
O que levar
Vestuário
Fizemos a travessia no inverno, de dia o tempo era agradável e de noite fazia bastante frio. Eu levei:
– calcinhas
– 2 tops
– 2 camisetas
– 2 blusas segunda pele de manga comprida (uma eu usei nos três dias da travessia e a outra eu usei para dormir, por baixo do fleece)
– 1 calça de fleece
– 1 blusa de fleece
– 2 leggings
– 1 par de tênis (é melhor levar botas de trilha)
– 1 touca
– 1 chapéu
– 1 par de luvas (não usei nenhum dia mas poderia ter sido necessário)
– 2 pares de meias de trekking e 3 pares de meas de tecido sintético
– 1 capa de chuva tipo camelo (que cobre você e a mochila)
Parêntese para falar dos pés. Eu fiz a trilha de tênis e não com botas de trekking – foi uma decisão infeliz. Mesmo no inverno a trilha é lamacenta e o tênis ficou molhado e enlameado os três dias. Além disso, nas pedras escorregadias a bota é mais aderente. Para finalizar, a bota protege o tornozelo de uma torção caso você pise de mau jeito.
Atenção também para as bolhas. O “combo” meia de tecido sintético por dentro e meia de trekking por cima faz milagres. Eu usei e saí da trilha sem nenhuma bolha. A gente erra em umas coisas mas acerta em outras. No post sobre o Caminho de Santiago tem mais dicas para evitar bolhas.
Acessórios
– 1 mochila 40 litros
– 1 bastão de trekking
– 1 garrafa de 1,5L (de plástico mesmo)
– Lanterna de cabeça
– Sacos plásticos (para lixo e roupa suja)
– 1 corda de 10 metros (uma por grupo – convêm não perdê-la)
– 1 GPS (pelo menos uma pessoa do grupo tem que ter)
– Farmacinha (coisa simples, só remédio para o intestino, dor, febre e relaxante muscular)
– Toalha de banho de secagem rápida
– Necessaire (escova de dentes, creme dental, sabonete, shampoo, desodorante – tudo do menor tamanho possível)
– Protetor solar
– Protetor labial
O bastão de trekking salva – o Tiago que o diga. Ele não tinha levado um, usou o meu segundo bastão durante trilha e gostou tanto que ficou com o acessório pra ele. Ele ajuda a impulsionar na subida, dividir o peso com o joelho nas descidas e a se apoiar quando o chão é escorregadio. Não faça que nem o Tiago e leve o seu 😉
GPS e um tracklog da travessia também são indispensáveis. Quando tem neblina mesmo os trechos mais sinalizados ficam complicados, pois a gente não vê os totens e as setas. Se o seu GPS for no celular, leve um carregador portátil – nos abrigos não tem tomada. E curta a beleza do mundo offline – lá não pega sinal de celular.
Comida
Tem que parar e planejar bem o que levar, pois nos abrigos não se vende absolutamente nada. No meu caso, foram dois quilos de comida, mas isso varia. Vale a pena gastar uns minutinhos pensando no seu menu pra não levar comida a menos ou ficar carregando peso de algo que você não vai comer.
O seu almoço vai ser no meio da trilha, provavelmente pão com alguma coisa. Aí no jantar dá pra comer algo quentinho. Se você for levar macarrão instantâneo (saca miojo?) adicione queijo, embutidos, azeite de oliva ou outra coisa que tenha proteína e gordura boa. Meu “menu” foi:
– bananas-passa
– damasco desidratado
– 150g de mix de castanhas
– pão de forma integral
– queijo provolone (tem que ser um queijo curado, daqueles mais amarelos e secos, senão estraga)
– salame
– leite em pó
– café solúvel
– suco em pó
– 2 pacotinhos de macarrão instantâneo
– 1 porção de risoto pré-pronto
– 1 latinha de patê de atum
Nos abrigos, dá pra deixar o lixo orgânico. O resto tem que ser levado por você até o fim da trilha.
Outras opções no parque nacional
Dá pra curtir o Parque Nacional da Serra dos Órgãos sem fazer a travessia Petrópolis-Teresópolis. A entrada de Teresópolis tem uma estrutura maior que a de Petrópolis, com camping e várias cachoeiras que dá pra acessar por meio de trilhas curtas. Vale a pena ficar um ou dois dias por lá “lá embaixo”.
Outra opção – que muitas pessoas fazem e eu fiquei com vontade de testar – é subir de Teresópolis até a Pedra do Sino, pernoitar lá no abrigo e no dia seguinte fazer o percurso de volta. Dá para fazer no fim de semana e é bem menos perrengue – pois não pega o trecho mais complicado (porém o mais bonito), do Castelo do Açu até a Pedra do Sino.
FAQ do trilheiro inexperiente
- Dá para fazer em dois dias a travessia?
Algumas pessoas fazem em dois dias, mas sendo um trilheiro inexperiente convém não inventar moda. Como o ICMBio só permite o pernoite nos abrigos oficiais , no segundo dia você faria o percurso do segundo e terceiro dias da trilha normal (de três dias). A trilha standard já é puxada, então não acrescente dificuldades.
- Dá para fazer no sentido inverso (Teresópolis-Petrópolis)?
Algumas pessoas fazem no sentido inverso mas é mais difícil. Ou seja, deixe para fazer essas variações quando virar um trilheiro experiente.
- Dá para fazer sozinha?
O papo é sério: não vá sozinha se você não é uma trilheira beeem experiente. Alguns trechos – como o cavalinho – são realmente complicados de fazer só.
- É obrigatório o acompanhamento por um guia?
Não. Mas se no grupo não houver ninguém que já conheça a trilha e/ou seja um trilheiro bem “treinado”, é bem recomendável o acompanhamento de um profissional.
Pedro
Posted at 18:55h, 11 agostoMassa! Um casal de amigos meus também fez essa travessia e eles gostaram muito (e também passaram por algumas dificuldades). Vou colocar na minha lista de trilhas para fazer 🙂
Mila Pereira
Posted at 11:36h, 12 agostoLembrei muito de você na trilha. Você iria adorar <3
Adriana Rezende
Posted at 21:47h, 12 agostoAdorei Milão. Demais esse lugar, vontade de me aventurar
Mila Pereira
Posted at 12:22h, 13 agostoÉ incrível, Dri! E vc ia conseguir fazer passando bem menos perrengue que eu, hahahahaha
Ruth Lima
Posted at 13:19h, 13 agostoExcelente post! Vai ajudar muito às pessoas que querem fazer a trilha!
Mila Pereira
Posted at 13:37h, 13 agostoTomara! <3
Nivea Luciana
Posted at 23:57h, 13 agostoMassa demais, Mila! O texto deixa a gente com vontade de ir também… Mas vou ficar com a parte de curtir o Parque Nacional sem fazer a trilha
Mila Pereira
Posted at 12:14h, 14 agostoObrigadaa! Na entrada de Teresópolis tem uma boa estrutura pra curtir o parque sem pegar a trilha pesada. Vamo fazer isso da próxima vez que vocês vierem pra São Paulo! 😀